Tudo passa e nada fica intacto


Tudo passa e nada fica intacto. Fumaçadas de poeiras que suscitam dores de cabeça incrédulas, costuras de sedas incertas, cabeça redonda de um verso de redondilha, tudo isto vem ter comigo e desaparece num ápice. Basta um piscar de olhos e tudo se devaneia. São sucessões, são visões, impostas pelo um todo encadeamento de pensamentos enfraquecidos de uma memória desesperada.
Agonizam a mentalidade como prova de não acreditar no que desacreditam e isto é injustamente injusto. Eles bem o sabem. Eclesiásticos impertinentes que despem Deus e que o levam, para um patamar desonesto, incerto e inerte.

Hoje é noite de declamações de poesias antigas que tanto gosto e em que tanto penso – mesmo doendo-me a cabeça, mesmo dando-me esta náusea forte – sei-o, eles merecem, o mundo precisa. O que vale escrever um poema se depois não for declamado por outrem? Nada daria mais gosto do que alguém sentir o que nós sentimos, pensar o que nós pensamos, idolatrar o que nós idolatrámos, de tal forma, que, seria difícil de acreditar.

Deu-me hoje para observar indiferentemente – apenas de relance – um intelectual que ali passou, defronte de mim. Tinha um chapéu esboçado em cores velhas e borratadas num castanho sedoso, um longo sobretudo de capa preta, e uma barba com um corte à «Anglais».
Ele percorreu assim, a distância da porta do café até à porta da rua ingénua, num andar tão peculiar que me era difícil pressentir, tão veloz como um coelho a fugir de uma matilha e desapareceu de repente – sem que eu tivesse reparado, infelizmente. Mas que era peculiar era, era-o tanto que aquela pasta que carrega ao longo do braço esquerdo dizia tudo: um verdadeiro poeta de tempos modernos! E como hoje é dia de poesia, ele deixou isto na minha imaginação – “Pensar e fazer à poeta, escrever à realista moderno”.

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