Ensaio filosófico




- Não queiramos dar vida a quem dela não terá nada, a quem dela será privada até de respirar; o mais que podemos dar é o prazer de não viver.
Em plena praça pública, Movidas lançou sobre os transeuntes estas palavras secas e duras até que um parou. Não tinha expressões na face; era cego.
Breves instantes passaram, ergueu os olhos sobre o filósofo e ripostou:
- A vida não é como diz. A vida deve ser vivida pela incerteza de todos e desfrutada simultaneamente por todos. A lei da vida não é viver, é morrer. E, por isso, todos somos vazio em pensamento e vagos em sentimento, e ninguém pense que uns devem nascer e durar e outros devem não-nascer e observar.
A praça lotava em pouco mais de uma hora. Gente de todos os cantos juntava-se sobre os dois homens, ouviam, com atenção, os argumentos e dividiam-se em torno deles.
Movidas sentia-se capaz de discordar e fê-lo de imediato:
- A vida deve ser dada a quem dela faça uma vida, não a quem dela faça um tormento. Quem dê vida que seja feliz por dar um futuro alado e onírico a um ser, mas quem queira dar vida por capricho seu e por felicidade alheia à felicidade comum saiba que isso não é dar vida; dará, pelo contrário, a percepção desfocada do que realmente é ser e viver e desfrutar da vida.
- Quem quer ser responsável pela continuidade do homem queira também ele ser condigno da sua própria vida. O resto disto tudo é sermos apenas pessoas, meu caro homem, e não sabermos nada da vida. Nascer pelo escasso minuto de sofrer? Nascer às portas de um mundo ermo? Nascer sobriamente de um passado ébrio?

A praça, toda ela, fora silenciada pelas últimas palavras de Movidas. O homem que parou, cedo se distanciou. E o círculo de contemplados desmoronou sobre um Sol de Inverno.

Álvaro Machado – 22:11 – 12-12-2012

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