Revolta

Revolto-me em fins de tarde, revolto-me apenas. Se alguém soubesse a revolta que sinto quando atravesso a rua e noto a inutilidade do ser humano, de um simples andar, de uma curta conversa, de um trajecto simultaneamente monótono - tudo isso é razão que baste para a minha revolta.
Não contesto ninguém. Não digo o que penso. Não sinto o que digo. Apenas e só a revolta do meu corpo e a contestação da minha interpretação – porque não consigo viver da inconsciência que não sofre e abuso do pensar excessivo no consciente alheio?

Vou adiantado na multidão, desconhecido por entre todos, imperceptível, e observo tudo quanto é sinais de vida: no jardim há uma imensidade de árvores que não brilham, um extenso plano de vácuo submisso; vivalma por quem não me cruzo, biblioteca e museu encerrados como de costume; a esplanada do café vazia, para minha admiração, talvez pelo frio que ocorre efusivamente nos fins de tarde – e tirando ontem, que foi um fim de tarde alvoraçado na esplanada -; tirando isso, observei o café pelo seu interior reluzente, vi pessoas em diálogo e vi acima de tudo felicidade nelas – e desconheço a sua origem, bem como a veracidade das palavras proferidas.
Vou atrasado no percurso, apressado como as rodas de um camião, e viajo alucinantemente para a livraria como que fugindo do frio. E paro a meio caminho, reflectindo:
- Estar revoltado com a sociedade é o princípio para a infelicidade, estar revoltado é estar descontente com a raça humana, é não querer pertencer-lhe nem sentir-lhe o cheiro. E por que tenho pensado tanto desde do jardim até à livraria? Destino que me escapa ou voz que não me diz?


Álvaro Machado - 04:11 - 29-12-2012

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