Grândola




Para certas pessoas manifestar-se é um paradoxo, um acto aparentemente difícil e trabalhoso de fazer-se, uma caminhada tão desencorajante que os leva, a posteriori, a duas situações tão lógicas como certas: numa primeira avaliação introspectiva, a pessoa pensa para si: «Aquela manifestação fica quase a uma milha de minha casa, ir para lá era uma tontice da minha cabeça!», e chega à conclusão lógica que viajar com esse objectivo é só para gente louca; numa segunda avaliação, já a pessoa estará menos nervosa quando pensar: «Até que nem há motivo para ir; o nosso governo tem sido de bom trato para nós e a austeridade é o único caminho possível!», deixando assim cair por terra a tal ideia, absurda ideia, de manifestação escapar-se à névoa que aí vem.
Os governantes sempre oprimiram o povo, porque nem sempre convém ouvir uma voz que não concorde com as nossas ideias ou que até ponha em causa o nosso estatuto. Por isso, torna-se, de facto, crucial evitar que o povo se manifeste - ou em todo caso fazer com que ele seja ignorado. A receita para levar essa ideia avante? A demagogia. Aliás, as irritantes e sucessivas poeiras que nos atiram aos olhos.
O regresso aos mercados é uma poeira e quem está a arremessar é o governo. O alvo são os portugueses, aqueles que naturalmente não se manifestam, porque os outros têm voz e lutam com tudo o que têm. Ricos não sentem a crise e até acham engraçado ver na televisão pessoas a cantar os passos da revolta do grandioso Zeca Afonso. Nisso, as opiniões divergem: há o lado de quem já esteja cega por tanta poeira que lhe foi arremessada e acha um momento efusivo este dos regressos aos mercados, pois não entendem que isso só é positivo para quem vê de fora; e há o lado da voz, como tenho referido, que é o lado da sociedade que pensa e que se indigna, pois sabe que a retracção do PIB, os 22% de desempregados, a queda-livre das exportações, são tudo um conjunto de factores que contribuem para tornar viva a esperança de cantar Zeca Afonso mais vezes e com maior número.
Em suma, é importante referir que essa tal minoria de pessoas indispostas a fazer manifestações encontra-se, de momento, numa outra galáxia bem longe da Via Láctea com os cofres cheios de notas verdes e com as casas cheias de mobílias cristalizadas. Essa minoria incomoda-se em ir para a rua. Deixá-la-emos assim?

Álvaro Machado - 17-02-2013 - 17:00

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