Primavera



Hoje dá a sensação que quem nos bate à porta é a Primavera, que curiosamente é a estação das descobertas e das vontades, e que vem a sorrir com um sol cheio de esperança logo atrás de si. O céu abre-lhe o hall da entrada para que pouse o casaco de malha e para que se sinta mais confortável.
- Pois entra nas nossas vidas, Primavera! Nós estamos saudosos de ti!
(Talvez seja um anjo quem profere tais palavras, talvez o não seja...)
E enquanto isso, nós estamos sentados num almoço tranquilo sem pensar em nada. Apenas desfrutamos do momento. Até que, de repente, nos deparámos com um homem conversando connosco espontaneamente:
- Oeiras? - disse o homem.
- Oeiras? - disse eu, não entendendo.
- Sim, era Oeiras a fábrica de que falavam nas notícias? - perguntou-me.
- Ah! Sim, era! Parece que estamos num tempo complicado p'ra se abrir um negócio - concluía eu.
O homem abanou a cabeça afirmativamente. De seguida, começou a falar com Orionte. Portugal antes do 25 de Abril, Portugal depois do 25 de Abril. Fábricas, comércio, riqueza, a passividade do Algarve em revoluções e, mais tarde, Champalimaud.
- Ah, sem dúvida que foi seguramente o melhor empresário que tivemos em Portugal! - dizia o homem.
- Foi sim senhor - concordava Orionte -, foi sim senhor...
- E lixou bem o Salazar! Com uma elegância! - continuava o homem.
- Sempre a enriquecer. E quando passou o testemunho, passou-o para mãos de confiança - conversava Orionte.
Apreciei a conversa, intervindo pouco por não ser do meu tempo, e apreciei sobretudo a qualidade dos velhos homens de analisar a vida e de estarem do lado de lá dela, isto é, estão de um lado mais passivo e mais sábio do que eu.
Estavam dispostos na mesa em lugares idênticos, bebendo o vinho de sabores diferentes e conversando sobre épocas iguais por histórias diferentes. Apreciei bastante.
- O Fidalgo das Astúrias! - interveio o empregado enófilo.
(O Fidalgo tinha sido assaltado não faziam dois meses. É o que dá ser rico em demasia.)
Ainda antes de pedirmos café, o homem, fidalgo de nome, e o divino, deus de vida, falaram circunstancialmente da morte e da ida para o jazigo:
- Já tenho jazigo. Fica perto da minha casa. É para onde vou não tarda. - disse o Fidalgo.
O outro riu-se. Parece que não gosta de falar destas coisas. Riem-se os dois, aliás.
É a vida, que é a curta, e é a morte, que é longa!

Álvaro Machado – 15:24 – 05-02-2013

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