Tempo ameno

Um tempo ameno leva-me de volta ao restaurante onírico - de acesso abstracto às verdades impetuosas que existem ao longo da história.
A Primavera ainda não chegou, mas, para mim, é como se já fosse possível escutar-lhe os passos, pausada e lentamente, e sentir-lhe presença pela ventania, fresca e simpática; que mais poderia ser do que Primavera? eis que os sentidos não me iludem (talvez, eis que não iludem pela primeira vez): melodias sobressaem sobre as manhãs claras, por aves que saúdam com canto a sua chegada; sol que se ergue, pujante, rejuvenescendo rostos tísicos e enche de esperança as janelas e varandas das casas sombrias; e a presença de Deus existe em cada planta que nasce, repleta de vida em si e de vida repleta para dar, com ávidas cores que brilham intensamente e marcam esta estação de sonhos...
Orionte tem vindo a sorrir esporadicamente e ao acaso quando lhe falo em astrologia. Por vezes, acha ridículo e totalmente descabido o conhecimento que lhe transmito; noutros casos, acha um mistério por explorar... (Digo-vos que, francamente, desconheço quais são as suas opiniões sobre astrologia)
Rimo-nos e bradámos o facto de existir vida em Marte! Pelo menos, à informação que nos é dada diariamente, há vida em Marte!
Entretanto, o tempo voou. E eis que chegam os camponeses! Um aperto de mão da senhora, um toque de respeito do Zé e um bom apetite longínquo da filha. O Zé tinha acabado de lavrar o campo, as forças exauriam-se-lhe e, devido a isso, passou pouco tempo na nossa mesa.
Mais um ranger brusco da porta de entrada: chega o irmão do senhor enófilo, que, segundo rumores, está tuberculoso só de respirar, para almoçar. Um homem alto, com um bigode grisalho e apresentável, tipicamente clássico portanto. Possuidor de uma voz poderosa, o homem dirige-se à nossa mesa:
- Muito boa tarde, caros amigos. Como têm estado? E tu, meu rapaz? Ah, o tempo realmente passa a correr!
Quando isto, e agarrando-lhe no ombro, chega o enófilo:
- Está sempre doente, sempre doente de doenças incuráveis! Não liguem, Orionte e companhia.
Distraíam-se todos com gargalhadas (excepto eu) autênticas e a conversa acabou por perder o sentido. O dono entretanto escapou e voltou a voz grave ao de cima:
- Desculpe, perguntava-lhe… como tem estado? – disse o homem em minha direcção
- Bem, sempre bem como, aliás, manda a vida. Sempre a crescer e a ficar mais velho. Obrigado. E o senhor?
- Igualmente, igualmente meu bom rapaz. Igualmente!
Saiu da nossa companhia, deve ter ido à sua vida… E nós também fomos, depois do habitual café…

Álvaro Machado – 19:16 – 16-03-2013

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