Dêem-lhe a verdade.


Eu vi o mundo nascer, sabias? Sim, é verdade: viu-o nascer como ninguém viu. Todas aquelas tempestades, o calor a escorrer, as ondas bruscas a bater na encosta, o céu ainda sem cor, o início que parecera o fim! Alguém nos estava a construir. Acabara de formar o universo, o infinito, o amor, o ódio e nós. E o rosto daquilo que eu vi reluzia para lá do compreensível, olhou-me, ergueu a mão ao alto e sumiu...

Depois fugi do mundo, que o meu lugar não era aqui, e levei a minha alma para a estrela mais fulgente do sistema solar - ali estaria a salvo, pronto a desfrutar da passagem do tempo e, por conseguinte, a contemplar-vos. Crescera tudo, o céu ficara azul, o mar mais submisso, o sol mais próximo e a natureza aliada. O homem desbravara o seu próprio mundo, definira na guerra fronteiras, erguera-se cego das suas fraquezas, contentara-se surdo dos ruídos da má sorte. E aqui estão vocês, agora, nesta viagem do regresso.

Ah, calem-se! Vocês não sabem de verdade nenhuma nem viram nada do que eu vi. Vocês vivem a mentira do tempo, das gerações, das pessoas que vos empurram para a rotina e para o comum, sim, isso é o que vocês são e escondem que são!

E caminhando para o fim estamos. Todos para o mesmo lado; a morte virá. Seremos um cadáver cheio de recordações, muitas saudades dos que deixámos, muita mágoa de nós próprios... Mas é o fim e temo-lo que aceitar: acabamos.

Por isso, eu renunciei a viver na terra. Eu vi que não podia amar ninguém. Não podia ter sonhos. Não podia ter amigos. Só quis contemplar, e portanto sofrer menos. O destino que me leve a vida, eu serei sempre o infinito, a partícula do universo que vos criou!

Álvaro Machado – 22:48 – 17-02-2014

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