Nebraska.


Nunca tivera uma vida muito para além do que é normal ter. Uma mulher que diz amar, vida de casado, um silêncio profundo, nunca se exprimiu para além de uns sorrisos que o álcool inutilmente lhe dava. Talvez a rotina imposta pelos anos que passam e pela sociedade que estipula, a sua vontade de viver se desvanecia aos poucos, tivera os dois filhos do acaso e a mulher apareceu. 
Até que um dia tudo mudou. Passaram a vê-lo frequentemente a meio caminho, com um papel na mão, julgar-se-ia pela cor que seria uma lotaria, confuso com o transtorno que lhe tinham causado numa vida inteira, curvado pela idade, embriagado para esquecer a rotina. 
- Onde vais, pai? - disse um dos filhos.
- Vou buscar um milhão de dólares que venci.

Certo é que se lançaram à estrada, pai e filho. O filho, não pelo prémio que sabia não ser credível, mas pela oportunidade de conceber ao pai um regresso das reminiscências; o pai, pela teimosia, queria ir a Lincoln reclamar o prémio. E por um fruto do acaso, no regresso às origens soubera-se então que ele era milionário. Logo os amigos, os apertos de mão, as lembranças dos velhos tempos, os favores, tudo isso vinha ao de cima vai-se lá saber porquê.
Quer dizer, era perceptível. Em todos, menos nele. Ele não queria saber da cobiça, nem tão pouco partilhara dela. Cobiça é parte da humanidade, não parte do sonhador. Pelo que, por mais que o abordassem com veneno por debaixo da velha amizade, encararia sempre aquilo com indiferença e distância; o que estava ali em causa era a viagem e só a viagem.

Não importa que lhe tenham dito que o prémio verdadeiramente não existia, não importa que no fundo todos lhe tenham inveja, ele continua a cavalgar no sonho e não desiste nem que isso lhe custe a vida. Continua a cavalgar, chega ao destino: o pedaço de papel afinal não tivera dinheiro...
Um silêncio fez-se na sua cabeça. Não foi o dinheiro que esteve aqui em causa, mas sim a vontade de lutar pelo sonho, nunca vacilou em momento algum, porque a vida é mesmo assim: vive dos teus sonhos e jamais sairás derrotado.

Álvaro Machado – 23:00 – 21-02-2014

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