Fragmentos...


Não tenho que viver feliz, porque assim encobriria que viver dói e é um tédio. Não tenho que viver infeliz, sofrer em cada passo dado, porque assim cegaria os olhos, mentia-lhes, há tanto por que vale a pena viver!...
Então, em meio de existir, consoante as situações, tomo consciência e tenho um determinado estado de espírito: umas vezes menos triste, agarro a pequena esperança como quem agarra a vida do mundo inteiro, levanto-me, e não sei, mas de súbito, viver dói-me menos, e vou lá fora viver aquilo que tenho de viver, agarro as sensações e o coração acolhe-as, sente-se melhor, ilude-se quando tem de ser para continuar vivo; outras vezes, mais triste, quando avisto o tédio, o oco de tudo que há em minha volta, refugio-me no meu mundo, com aquela dor, bem com aquela dor que nunca ninguém vai entender (nem eu mesmo...), em busca das palavras certas para um trecho cismático, um poema transcendente, enfim, aquilo que poder representar o meu coração...

Como uma peça de teatro do século dezanove, talvez uma ópera, estar eu sentado a desfrutar da música onírica de Amadeus, a loucura perversa de Ludwig, escutar, anos depois, a voz poderosa de Villaret, a expressividade de Mário Viegas, e a fluírem as palavras num gesto nobre e único que me faça dizer: sim, realmente vale a pena viver.

Então eu acolho as lições da vida e escrevo-as no meu diário de viajante, gravo memórias, crio versos, esqueço... sei lá! Hoje sinto-me assim. Tépido. Triste e feliz. Triste, porque não estou completo e tenho consciência da infelicidade... Feliz, porque só me dói parte do coração que está vazio e posso voltar a completá-lo, basta crer Deus.

Álvaro Machado - 23:12 - 10-03-2014

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