O careca do devaneio


Uma careca entra, fita-me, e diz, bem alto: diga-me já uma direcção, algo ou alguém que eu possa seguir, tocar e amar. E ficou estático, impaciente e altivo sobre a minha pessoa.
Deve estar maluco, pensei eu, e continuei a meditar defronte da janela daquele quarto meio alugado algures por Lisboa. Travessa da Peixeira, de repente, saiu-me essa localização. E, depois de um suspiro, peguei no cachimbo e disse: perto do nosso génio pessoano, é verdade. 

Oiça lá, sabe onde é a Rua dos Douradores? Pois bem, perto daqui fica.
Tão perto fica que hoje me sinto eu mesmo um génio, ah, tão perto dele, uma janela idêntica, uma rua preenchida por convulsões da multidão, uma brisa solene e um leve suspirar meu a pensar: até Cesário nos cruza na chuva que chega da madrugada...

Ah, esqueci-me do careca. Aliás, esqueci-me de lhe apontar a tão absurda mas desejada direcção, pus-me para aqui a falar de coisas sem sentido absolutamente nenhum e amanhã vem cá el-rei de Espanha, novo por ter sucedido ao paizinho que matava elefantes sem suar a camisola (mas sempre com valentia, o monarca era valente, caralho!).

Senhor careca, ó senhor doido varrido, oiça-me lá! 
Amanhã vem el-rei para os lados de cá.
Vá ter com ele e faça-lhe essa imposição ávida de uma direcção.
Verá que ele das duas, uma: dar-lhe-á um sim ou um não.
Ou, em ultima instância, manda-o para o caralho,
Mas com a classe de um monarca.

Álvaro Machado - 22:29 - 06-07-2014

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