Pagar para escrever livros? Não, obrigado.


N
ão interessa se é extraordinário, se é perfeito, mas é nosso, só nosso, aquela instância de tempo em que somos só nós e o mundo lá fora. Sofremos por dentro cada passar do tempo, cada sentir exógeno a nós, cada tropeçar nas amarguras da vida, e, depois disso, vem-nos o instinto sobrenatural de escrever aquilo - não tudo, ou talvez tudo! - num recanto qualquer...

Ao longo da vida, quando olhámos para trás, sentimos que os poemas, os textos, toda a produção literária nossa se nos é imensa, impregnada de valores que só o próprio escritor sabê-lo-á precisar, de momentos bons e menos bons, de espasmos de alegria ou de cismáticos pensamentos indefinidos que baste p'ra nos consumir noite fora.
Não estamos, porventura, consumidos com a ideia de os ver publicados ou não, ainda que ansiemos por escrever o nome nosso na história, marcarmos uma geração, talvez um estilo próprio, isso é um grande sonho; não queremos perdurar na história ao escrever, não para o nosso bem-estar, para o nosso intimo, mas tão-só para os leitores que nos podem comprar livros e dar visibilidade. Isso seria um erro crasso.

Vou confessar-vos um sonho meu: quero escrever toda a minha vida - poemas, contos, ensaios filosóficos, artigos de opinião, romances, folhas soltas - e se um dia tiver que sair no anonimato dos meus blogues e da minha página pessoal do facebook para o universo da literatura, sairei por mérito próprio, por fruto do meu empenho em que, cada dia que passa, possa escrever melhor, por avidamente vislumbrar caminhos como grandes escritores outrora fizeram.
Jamais aceitarei lançar um livro com única condição ter de pagar a edição. Ser explorado por meia dúzia de ignóbeis que nem sabem tampouco avaliar uma obra literária. Um livro meu circular no meio de tantos livros ridículos, mal escritos, sem nenhum fio condutor? Onde, quem lança o livro, pura e simplesmente, se esquece da alma, da loucura de um escritor? De sentir à flor da pele a intensidade e de viver por um «fio do puro acaso», como dizia e bem o nosso estimado O'Neil?

Não, lamento, vocês não são escritores nenhuns. Nem sabem o processo de escrever, os métodos necessários para chegarmos à outra dimensão, acima à do homem comum, que nos torna únicos, em justa proporção. Que vos adianta lançar cinco, seis, mil livros? Nada. Pagaram para o fazer. E isso, meus amigos, não vos torna coisa nenhuma, ouviram? Coisa absolutamente nenhuma!...

E para a minha conclusão - ou desabafo, como queiram entender - nada melhor do que parafrasear um dos melhores poetas portugueses, Cesário Verde:

"(...)
Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
 Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.

(...)


Eu nunca dediquei composições nenhumas,
Senão, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador, aqui, desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nosso literatos,
E apuro-me em lançar originais e exatos,
Os meus alexandrinos..."

Álvaro Machado - 15:43 - 09-12-2015

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