Confessionário

- E no entanto são todos felizes. - disse-me.

Coisa que tinha razão. Podiam eles nem questionar sobre se o mundo é ou não realmente como aparenta, se a terra se move em torno do sol ou o contrário, se a teoria da relatividade é verossímil ou inverosímil. Mas eles eram, na sua essência, como devíamos todos também de ser, felizes de uma felicidade honesta, sem razão de ser, mas plena e resplandecente.
Todos os dias, após o trabalho, juntavam-se para jantar. Eram autênticos banquetes. Os familiares reuniam-se ali todos os dias, faziam-se festas, não porque o calendário assim o determinava, mas porque era vontade unânime de todos, e então as gargalhadas surgiam e percorriam a mesa toda, às vezes riam mesmo sem motivo aparente, e a música propagava-se por todo o espaço envolvente, dançavam, riam e dançavam e tudo era tão genuíno assim.
Soube, então, o porquê daquelas palavras tão sérias atormentarem tanto aquele homem, que, quando as disse, lhe senti um suspiro como quem diz, sim, tirei um peso das costas com este desabafo momentâneo. No fundo, ele não queria ter passado por aquilo que passou. Não queria sempre ter sofrido com a partida de um dia e a vinda de outro, com o alheio que inevitavelmente circundou por si, com aquela consciência que o pusera sempre absorto e com uma tristeza leviana e permanente. 

- Sabes, o que eu queria, e agora tenho a certeza que o queria, não seria mais do que o que eles são: assim, sérios e honestos em todos os dias, fazendo o trabalho que sustenta a sobrevivência e a romaria que faz com que essa sobrevivência valha realmente a pena.

E as palavras tomaram o rumo, por ali fora elas foram, entre todo o sentido que há em viver e ser feliz.

Álvaro Machado - 22:03 - 17-03-2014

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