O homem dista de si.


O homem é a própria distância do homem. Um frio sentido em si mesmo dista. E diz-me que não, contesta-me se eu não tiver razão.

Mas é tão fácil voltarmos as costas a quem devemos, se não for devoção, pelo menos respeito. Seremos frios nesse momento, mesmo sabendo que, no fundo, iguais ao vagabundo de qualquer cidade o somos. E a vida tratará de nós, e quando surgir o arrependimento, a mágoa de sentir como o próximo sentira há uns tempos, surgirá da pior maneira, dolorosa, agonizante, sem piedade. Esbater-se-á em nós com tal frieza que fará de nós, não frios, mas lúcidos. Aí sim, percebemos que não devíamos nem ser indiferentes nem ser frios.

Dizer não? Negar uma esmola a quem de rastos pede por misericórdia? O senhor só nos pediu ajuda, muito educadamente. E nós, que lhe fizemos? Altivos, como manda a raça, negamos-lhe. Desprezámo-lo como se não fosse um de nós. E com uma agravante: chegamos a casa com a máscara em que achámos que somos humanos, que defendemos causas e valores, que somos democratas e senhores do nosso destino; mas que, no fundo, nem a um pobre vadio fomos capazes de acudir...

- Minha senhora, minha senhora! Ó minha senhora, espere! Não quer dar-me uma esmola e ajudar-nos? - disse o vadio.

A senhora olhou. E sentiu-se naquele olhar aquele desprezo como quem olha um lacaio sem o considerar da mesma raça. Logo depois, desviou o olhar e continuou. Poderia dignar-se a responder ao pobre coitado. Podia, de facto. Mas preferiu o caminho fácil e, poucos passos à frente, desejou-me boa tarde.

Álvaro Machado - 22:11 - 12-03-2014

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