Provincianos
O meu pai bebia o vinho tinto, bebia-o como se realmente fosse o único deleite no meio de tanta pobreza, sobre uma caneca moldada em barro pela vizinha do lado; enquanto que a minha mãe, doméstica por índole, trazia no coração todas as preocupações, marido, eu, e os seus pais.
Seis e meia da manhã, o frio intenso à porta cobrindo as janelas com geada, os pássaros sussurrando a lenta aproximação de mais um dia: eis que começámos a trabalhar, trabalhámos duramente no campo, passo a ironia, pois nestes tempos isso ainda não havia sido inventado, e quanto mais trabalhámos, mais o patrão nos exige e menos o patrão nos quer retribuir. Chamemos a isto uma injustiça danada, porque de facto o é. Mas que havemos de fazer? As seis da manhã perduram e, se a nossa revolta surgir, cedo desvanecer-se-á, ou não é o pão da mesa e o vinho para o meu pai mais importantes que isso? É, claro que é!
E como eu, todos assim o pensavam e todos assim o faziam. Salazar erguia-se, aplaudindo de pé: foi a melhor escolha que podíamos ter feito afinal de contas.
Agora, um reformado orgulhoso sou. Trabalhei, dediquei-me à família, fiz o que pude para aguentar os senhorios, mas pensei tantas vezes para mim: «Filhos da puta, se pudesse matar-vos-ia com as minhas próprias mãos agora mesmo!». Depois isso passava.
Em minha volta vejo que os tempos mudaram. Hoje em dia muito raros são os que vêem no trabalho maneira de subsistência, antes se agarram aos subsídios e ao sofá de casa, desconhecendo o que os anteriores haviam sofrido e, mais do que isso, esquecendo as condições e os direitos que o trabalho dá; dissessem isso aos meus pais, que os tempos mudaram e que agora trabalhar vos dá regalias, que os meus pais achavam que vocês tinham enlouquecido!
Bem, não vos maço mais. A mulher gritou-me, diz ela que a mesa se cobriu e, como deveis calcular, a fome é imensa!
Um abraço do passado!
Álvaro Machado - 01:32 - 08-12-2014
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