Naturalmente a sociedade

- Idiotas, são todos uns idiotas - atirou o senhor, enquanto fumava cismático o cigarro ao frio.
E continuou, com os olhos postos em mim:
- E o senhor, sim o senhor, não se pasme por ouvir tal coisa! Chegámos a certas épocas e o povo parece ainda mais entontecido, sai de casa todo junto, parece combinado minuciosamente, é verdade!
Lá vem tudo e todos às mesmas horas e aos mesmos sítios, e tudo congestiona...
Parei de o observar por instantes. Verdade é, porém, que via algo nele realmente fascinante, talvez por ser um homem um pouco na margem daquilo que é hoje a sociedade. Até que, voltando-me, lhe disse:
- Lá terá a sua razão, não o contesto e muito menos o repugno; mas o senhor também saberá, melhor do que eu, que nada os fará demover desta espiral obsessiva do consumismo, do dinheiro fictício (pois sim, na verdade grande parte dele o é, que passados uns mesitos à frente estão todos impregnados de dívidas que nunca mais acabam.) e do aparente deleite que lhes dá viver na puta da aparência...
Olhe, deixemos isso para lá. Há ainda muita coisa para aproveitar neste muito, encontremos paz e sejamos sábios (convém sê-lo modestamente, claro está) para que refutemos convictamente sermos mais uns no meio de outros tantos iguais.
Não me respondeu. Acenou como que corroborando ávidamente o que eu havia dito e depois arremessou a ponta do cigarro para bem longe com um desprezo notório.

Álvaro Machado - 01:27 - 24-12-2014

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