Memória de guerra


Toca o sino ao cair da noite. Aquele som, não sei como vos explicar, fez-me viajar até às épocas mais antigas, aos tempos em que, ainda que guerras se fizessem, faziam-se com mais sentido. Afinal, não estavam definidas fronteiras, o homem ainda achava o mundo uma coisa estranha, sem definição lúcida, e via-se forçado a lutar para conquistar a terra. Imperadores, guerreiros temíveis e lendários, soldados fiéis a uma causa - marcaram a história do nosso mundo.

Toca a o sino ao cair da noite. Oiço as suas espadas a trespassar os corações uns dos outros, tombam com tamanha crueldade que o próprio sol esconde-se e dá lugar às nuvens tenebrosas. Não é uma morte súbita, são pesadas armaduras que levam o seu tempo a ceder à espada e, quando cede, pois tudo na vida tem o seu momento de resistir e o seu momento de ceder, atira-os para a terra ensanguentada. Uns ficam horas por lá, esvaídos em sangue, à espera do julgamento final. Esses são os menos gloriosos, os que haviam perdido a batalha.

Ainda assim, por mais que se conspirasse contra um Imperador pelas suas decisões - acções e omissões, desejos e pesadelos - tê-lo-iam em consideração; mesmo o maior inimigo, quando porventura o enfrentasse, teria uma conduta de respeito e de honra para com ele. A traição não seria pelas costas, era ali, no frente-a-frente.

Foram assim durante séculos e séculos de história, mas para que fim? Hoje o individualismo tornou-se de tal ordem unânime que a boa conduta, o respeito e a honra sucumbiram. As manifestações de humanidade de hoje não são de solidariedade, são de frieza, senão que razão me dão para as infindáveis guerras do Médio Oriente que consomem homens, mulheres e crianças indefesas? Que razão me dão para o insano Putin continuar a falar sobre paz quando só sustenta guerra e mortes massivas? Para que a China participe em conferências sobre o ambiente quando são o maior poluidor?

O sino deu o seu último toque e com ele a realidade volta também.

Álvaro Machado - 23:51 - 19-12-2015

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