Pleno de diferença


Queriam-me todos ver como coisa natural, coisa essa que todos eles são, não é verdade? Queriam que o meu corpo se curva-se perante algum senhor só porque ele tem um fato, um carro e uma casa melhor do que a minha, não é assim? Ou então que ficasse de cabisbaixo e me abstivesse de opinar sobre qualquer assunto do meu país, senão o meu patrão podia despedir-me, é isso?

Ah, sim claro! Também devia seguir um estilo de vida mais submisso, onde tudo que me rodeia se tornasse num paraíso subitamente, onde um bem material me bastasse para hibernar num silêncio eterno. Perder a voz para não dizer e perder os dedos para não escrever o que penso, sim, isso seria o melhor, um jovem calado, batendo efusivamente palmas aos desgraçados, aos inúteis que acham que escolher outro caminho que não o deles é estar errado. E bater palmas aos políticos, como fazem alguns. Oiço tantos jovens a dizer disparates atrás de disparates: que se ele corta é porque se deve cortar e, mais grave que isso, dizem-no com certa arrogância, altivez grave e desnecessária. Pergunto: que sabem eles da vida, quando sentam o traseiro no sofázinho da casa dos papás? Ah, se lhes falarmos dos que corajosamente se opuseram ao regime chamam-nos utópicos, doidos varridos, se for caso disso...

Que se dane o sentido da vida, meus amigos, que se dane ele e que se dane a vossa moralidade. Escolho para o meu lema de vida a indefinição. A indefinição, porquê? Estou maluco ou quê? Não, não estou maluco. Eu sou maluco, que é bem diferente. E sabem porque sou maluco? Porque eu não almejo arrecadar grandes fortunas nem ter mansões; não vocifero por um trabalho que me dê garantias de um futuro risonho e de um bom nível de vida, não... isso seria demasiado fácil, mais do mesmo, para isso basta sair à rua em hora de ponta e ver os transeuntes a chegar a casa depois de um dia de trabalho e torna-se monótono viver - aí sim, consigo ver como está estruturada a sociedade, tão dada à rotina e tão afastada da diferença e da criatividade...

«Mas olha que não dá dinheiro tu escreveres. Olha que nunca digas tudo o que pensas às pessoas, podem não te dar trabalho e podes criar inimigos. Curva-te perante o senhor doutor, tens de lhe chamar senhor doutor, ouviste?! Tu passas na rua e és mais um, uma merda ambulante, mas o senhor doutor é diferente, esse pode passar quando e como quiser, que todos lhe hão-de admirar passagem, ainda que ela seja do menos nobre possível.»

Ai, que maçada! Rio-me tanto com esta sociedade! Escrevo isto agora como se estivesse na rua, no meio dessa multidão toda, imbuída de credibilidade para dar juízos de valor aos outros...
Pois eu digo-vos, bobos da corte, que não escolho para a minha vida o que me dá garantias de ser mais rico nem ponho a arte em segunda opção por nada deste mundo, ouviram? Livre, só e independente! Sempre!

Álvaro Machado - 31-05-2014

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