Disparo às cegas
Todos os pensamentos voltam quando estavam prestes a partir,
e partir seria para sempre. Nós voltamos, porque nunca paramos, porque nunca
abandonamos, porque nunca desistimos... O mestre e o aprendiz abraçando a
natureza com toda a força...
Podíamos, hoje, não marcar presença e, em vez disso,
esculpir uma estátua, ostentada pelo ouro de raridade, com uma dedicatória a
lamentar a nossa ausência. Seria dos caminhos mais fáceis de percorrer, estou
certo, mas nunca quisemos um caminho fácil de percorrer - como a maioria destes
homens quer -, porque isso não permite ter sonhos impossíveis nem crenças
cheias de amor...
Entro no restaurante um pouco atrás de Orionte para lhe
observar o toque, o andar e a cortesia nobre e antiga de um sábio. Como ele se
enche de verdade em cada segundo! (Parece um sonho, meu deus.)
Na sala de estar estão os quotidianos homens de vidas
normais e aborrecidas a repousar antes de ir para o trabalho: um carteiro, que
faz de conta que está a ler o jornal enquanto a chuva não cessa (ele veio ao ar
livre e por isso não pode apanhar chuva, senão o papel das cartas humedece), e
um homem de profissão vulgar. No balcão, e logo saindo dele, está o dono
enófilo e pálido que vem cumprimentar-nos com um aperto de mão suado.
Orionte senta-se e conversamos. Chove sem parar. E nós
parámos no tempo e o tempo pára em nós; conversámos horas a fio numa instância
de minuto divido por segundos velozes - a vida nunca pára, Orionte!
E por mais que chova, sinto no meu coração um paraíso que
não consigo explicar-lhe por palavras. Quando saímos do restaurante, depois do
café, começámos a falar sobre o mundo que habitámos, achámos uma verdade
espontânea nas árvores e nos pássaros que continuam o caminho e voam para
sempre, tal como nós, que nunca abandonámos os sonhos impossíveis!
Ficámos à chuva. O tempo? Esse tempo só pode dar mais brilho
à paisagem e incomodar os mais fracos; nós sonhámos e, por agora, estamos por
África como caçadores. Não há mais ninguém a não sermos nós, nós que já nem
ninguém somos.
Ficámos horas à chuva, somos felizes assim! Ficámos horas à
conversa e o tempo não passa por nós, nós é que passámos pelo tempo.
Tudo volta atrás e as nossas conversas perduram até
sempre...
(Sim, estivemos nesta viagem alucinante enquanto tomávamos
café)
Álvaro Machado – 16:28 – 25-03-2013
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