No extremo da balança


O lobo solitário, aquando se encurta o dia, apressa-se na saída da sua casa, que curiosamente está bem longe daquilo a que comummente chamámos de casa, e precipita-se para a deambulação incoerente que lhe consome o resto da vida que se lhe bombeia no coração.
Há trinta e um anos que são estas deambulações feitas rotina, e por isso acabam elas por ser toda a razão da vida humana, toda a razão do crer num freixe de luz quando em frente só nos vem uma escuridão cerrada...

Crê ele não no que há-de receber pela sua humilde e invisível vida, mas pela sua paixão quase de asceta (isso sim, parece-me suficiente para se considerar um homem íntegro e de valor bem vincado)
Mas o lobo pára. Defronte, ainda num estado de choque, um mendigo torna-se o centro das atenções, não por estar, evidentemente, com uma corda ao pescoço, porque nos dias que correm não entende um homem que uma corda àquelas horas da noite se torna aterrador, mas tão-só pelo seu pálido rosto e o seu entristecido olhar.
Diz-lhe o solitário deambulante, Então mas onde vais tu com esse rosto e olhar pobres? Acena ele a cabeça, sem se perceber muito bem qual dos seus impulsos sobem à tona, e lentamente completa, Vou ao hospital, ao médico que me diagnosticou esquizofrenia.

Podia ser verdade, não o nego, mas de tão verdade que seria talvez não se me surgisse a dúvida que surgia no momento. Fiz uma pausa, breve, e já o lobo lhe reparara num pormenor: no cabelo.
E esse cabelo, queimaste-o? Deixa-me ver. E essa corda, para quê essa corda? Vais te magoar? Como pôde ver, o deambulante sabia bem qual podia ser o desfecho. Movera a cabeça o homem, A corda? A corda não é para agora, e para depois não sei o que fazer. O cabelo queimei-o, é verdade, mas fi-lo porque oiço vozes dentro de mim que me dizem para fazê-lo.

Toda uma angústia ao ver aquele homem em sofrimento impiedoso e com a vida vã. Queria ajudá-lo, rejeitou afirmando:
«Deus ainda gosta de mim. Deus ainda gosta de mim!»

Álvaro Machado - 22:22 - 02-05-2015

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