Os refugiados têm nome: seres humanos.
Orgulhámo-nos de uma sociedade livre, estupidamente livre,
onde qualquer idiota pode expor o seu pensamento sem sequer se preocupar se
este é lógico e oportuno. Pertencemos a uma século de inovação, de energias
renováveis, de preocupação com o ambiente, com esse doce lar a que comummente
chamamos de Terra.
Não, lamento, mas não somos nenhuma dessas louváveis
descrições que nos tentam impingir com tanta informação desajustada à cruel
realidade que nos enche a alma, nos perturba o sono, corrói o coração! Sabeis o
que somos, irmãos do universo? Por vezes tenho medo de dizê-lo em voz alta;
digo-o, porém, em uma inquieta deambulação noturna, só de mim, só para mim...
Só Deus me ouve, se ele existir.
Nós somos cruéis, somos frios, somos completamente
indiferentes para com o próximo - esteja ele doente, entristecido, que modifica
isso no vosso sorriso forçado? Nada, absolutamente nada. Sim, esporadicamente
soltais um suspiro:
- Coitado, não merecia tamanha infortuna.
Mas esse suspiro vosso, para além de breve, é longínquo como
o universo em nossa volta, sabeis isso perfeitamente, não é verdade?
A vida é demasiado séria para deixarmos atingir proporções
como as que têm surgindo dia após dias, e que se têm agravado ano após ano. Que
mundo é este, irmãos? Que mundo é este ao afirmar-se livre, mas que concebe aos
cidadãos de um país terem de fugir e abandonar a pátria porque a as explosões e
as guerrilhas lhes levam a vida sem justificação plausível?
Sim, chamam-lhes «refugiados». De facto, é um excelente
nome, soa bem, chega mesmo a atenuar os danos, não acham? Como havemos de
chamar aos mais de 300 mil sírios que morreram nos últimos quatro anos? Às
crianças que morreram, às crianças que ficaram órfãs, às mães que perderam os
filhos, às mães que estavam grávidas e morreram, às mães que perderam o marido,
aos homens que perderam um braço e uma perna porque iam num autocarro vindos do
trabalho?
Como havemos de chamar aos que almejam uma vida limpa, com
algo melhor do que granadas em cima da mesa de jantar ou do que minas no
quintal defronte da casa? Refugiados? Chamais vós refugiados aos que sonham com
uma vida digna? Com os quem ousam construir uma família? Com os que pretendem
ser felizes, longe da guerra, da discriminação, dos maus tratos, da ditadura?
Nós, europeus, senhores da união, certamente iremos
ajudá-los, pois será assim um povo unido, terá compaixão que baste por estes
pobres desgraçados. É assim, não é? Então para quê os muros, para quê os
reforços policiais, para quê tamanha agitação?
Eu sei porquê, eu sei porquê... Ah, não vivemos senão numa
mentira, não somos senão cruéis e doentes! Atravessam milhares de «refugiados»
todos os dias, sem saber o que virá daquela onda, daquele vento, daquele sítio
desconhecido que tanto anseiam sem saber o motivo... Muitos morrem, muitos são
deportados, alguns escapam.
Sim, vocês dizem:
- Alguns escapam, temos por onde lhe pegar. É melhor isso do
que nada. - pensais serenos.
Sabeis o melhor? Eles vêm dentro dos motores do carro, fazem
horas de viagem, queimam todo o corpo, uns morrem asfixiados (crianças, homens e
mulheres); outros, quando trepam os muros, perdem a mão ou o braço; outros
morrem de cansaço ou de doença súbita…
É estranho, irmãos. Não vos oiço. Estarei sozinho? O quarto
parece-me demasiado vazio para uma só pessoa, só oiço as minhas mãos a suar e a
escrever intensamente um desabafo, não sei...
Álvaro Machado - 03:08 - 28-08-2015
Álvaro Machado - 03:08 - 28-08-2015
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