Próximo governo: o cenário é improvável.

O país está em suspense. O quadro político é incerto, ninguém sabe o desfecho das próximas semanas, mas uma coisa é mais ou menos unânime entre todos: a democracia portuguesa acaba de promover uma alternativa que, até então, se julgava impossível.

O diálogo de esquerda.

Verdade é que nos últimos 40 anos de democracia, o partido vencedor das eleições (seja ele por maioria absoluta ou não) formaria governo sem nenhum obstáculo, sendo então algo perfeitamente legítimo e jamais discutível. Todavia, após as eleições legislativas do passado dia 4 de Outubro que as coisas não se tornaram assim tão evidentes nem assim tão lineares: António Costa apressou-se, no imediato, a reunir consensos com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, tornando, dessa forma, possível um diálogo entre a esquerda nunca antes conseguido.
Foram discutidas, pelo menos o que se pôde apurar até agora, algumas medidas relativamente a salários, pensões, TSU, emprego, compromissos internacionais e metas orçamentais. Soubemos, então, que as negociações estavam a decorrer e, com cedências aqui e ali, lá chegaram a pontos convergentes entre si. Note-se: se me dissessem isto há um mês atrás, não acreditaria, de todo.
Recordo-vos: até hoje, o que muito boa gente criticava - e criticava-o com puro escárnio - era a falta de diálogo e de consenso entre a esquerda portuguesa, acusada de "andar sempre à cabeçada" e de ser composta pelos "velhos do restelo"; pois bem, hoje essa tese foi-se por terra abaixo.

Os receosos do novo regime.

Todos sabemos que sempre existiram, e que o prove a nossa História de Portugal, e sempre existirão os anti-progresso, os anti-democracia, os anti-mudança, os anti-tudo, dentro da sociedade portuguesa. Houve muito boa gente que nunca contestara o seu rei, ou porque nunca tivera destreza para o fazer ou até porque chegara a concordar com a sua condição de miséria; há os que também nunca se opuseram ao regime ditatorial de Salazar, achando-o pleno de capacidades e portanto incontestável quanto às decisões que tomara, fossem elas de censura aos que vislumbravam o progresso, fossem elas de manter quietos e calados as possíveis ameaças ao regime, fossem elas de decretar a pobreza infame à grande maioria dos portugueses, para que, assim, pudesse "encher os cofres" de Portugal, expressão essa conhecidíssima por todos os portugueses.

Hoje em dia, o que mais vejo é comentadores políticos, cronistas, homens dos aparelhos políticos da coligação, a instigarem o medo na população como que se estes fossem o único caminho possível, legítimo e lógico. Que, "se forem os outros e não formos nós", o país cairá numa profunda recessão, que não haverá mais sustentabilidade, que os mercados entrarão em colapso, que o FMI voltará...
E esse tipo de argumentos, para além de pejorativos, são de uma tremenda falta de consciência democrática - haverá toda a legitimidade de reunir consenso à esquerda e será eticamente concebível fazê-lo.

Viva à democracia, viva a quem a pratica sem nenhuma repressão e viva à liberdade do pensamento! Já lá vão os tempos em que Marcello Caetano dava "ao povo a liberdade possível"

Álvaro Machado - 16:53 - 22.10-2015

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