Apaziguamento
Almoçamos com o tão rotinado apaziguamento de alma a que
estamos habituados. A ementa nunca nos favorece e por vezes nos desconsola. Mas
há que pedir, porque são horas de o pedir.
Pouco ou nada se fala ao almoço. Atrás de mim, oiço gente
humilde a conversar directamente para Oriente:
- Como lhe vai a arte, meu caro? As aves andam à solta e
perduram umas valentes horas sem repousar...
- Tem ido. Como não aprecio as manhãs invernais, não lhe
tenho dado muita prática. - disse Oriente.
Mais um pouco desta conversa e passou o diálogo. Continuamos
nós a falar. Passou-se tudo muito rápido. Juntando-se ao café que íamos tomar,
veio o Zé ter connosco, com aquela barriga feita de porcelana, com aqueles
modos rurais de pronuncia áspera e com o famoso palito sobre um dos dentes
d'oiro:
- Então não é que ontem estava eu descansado, quase
sonâmbulo já, encostado na almofada dos meus sonhos acordados quando, de
repente, e antes de darem doze badalas, me batem à porta? E eu a pensar ser um
dos meus filhos, levantei-me com a predisposição para destruir o mundo só com
um sermão! Abri a porta e voltei costas em direcção à cama. E disse-me uma voz:
«O fred está?»
Ah, mas eu olhei-o frontalmente e não o conhecia! Era um
mestre de agiotagem - daqueles que não emprestam dinheiro, mas que o roubam.
Tirei-o logo dali para fora.
- Nós, no nosso tempo, não éramos educados dessa maneira. E
apanhaste-o então, Zé? - dizia Oriente indignado
- Eu não, porque estava descalço e ele desvaneceu logo na
primeira árvore.
Depois disso, o Zé saíra da nossa beira porque tinha de se
fazer à vida (vida de camponês, vocês compreendem!) e nós também fomos de
seguida à sua sombra.
Álvaro Machado - 15:28 - 09-02-2013
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