Banquete
(Muito sol, poucas nuvens: céu eternamente azul de dia, céu
estrelar e longínquo de noite, é o que tenho passado enquanto escrevo. O vento
sem direcção, a bússola sem sentido p'ra me dar, a natureza indiferente ao
sentido que lhe dou...)
O meu almoço hoje foi ligeiro - não querendo dizer com isto
que está a tornar-se monótono -, a amplidão vazia da sala desmoronou as
habituais cortesias de um almoço fora de casa e sentimos, todos, um certo poder
de descontracção, que fazia lembrar uma pequena família de burgueses.
Entrei no restaurante, aliás: entrámos no restaurante e,
logo depois de percepcionada a nossa chegada, o nosso conterrâneo camponês
disse:
- Estava a ver que hoje não vinham, amigos! Ó mulher, olha
quem chegou! - acabando de proferir estas explosões de alegria, cumprimentou-me
e mostrou um certo carinho pela minha juventude, tão invejável como distante e
continuou - Como têm passado?
Dito isto, Orionte tomou a palavra:
- Temos passado bem, obrigado. E vocês? É verdade que, hoje,
atrasámo-nos um pouco, mas creio não haver justificação lógica para tal coisa.
Não estava previsto um atraso.
O chefe da família parecia estar grato pela nossa vinda ao
restaurante. As suas mãos batiam levemente nas minhas costas, talvez
representasse, para ele, um sinal não só de admiração como de respeito, e
acredito vivamente que o seja, por isso deixei que tal acontecesse, pois, sendo
assim, guardámos respeito mútuo. (De vez em quando fito o céu pela pequena
abertura do restaurante, verificando se está ou não sol.)
Sento-me e cumprimento um tal rapaz, tão jovem como eu, com
um aceno de mão. Ele riposta de mesmo modo. Bons modos, se é que me entendem!
Como disse, há pouco tempo, o almoço andou na margem ligeira
do mar com as ondas submissas da maré vazante acompanhando. Eu e Orionte pouco
falamos, hoje, porque estávamos em desacordo nalgumas matérias pouco relevantes
para a história da humanidade, na verdade. De vez em quando, vinha ter connosco
o empregado enófilo cheio de simpatia, apelando ao bom senso da conversa. O
jovem defronte de mim ria-se. Eu também. Todos nos riamos.
Numa fracção de segundos chega-nos o senhor do clero, padre
para vos ser mais preciso, cheio de pressa, que fará certamente parte da sua
educação clerical, acompanhado por uma mulher altiva e deslumbrante - sim, porque
a igreja todos sabemos tratar-se de uma força e que, no fundo, os votos que
eles tanto fazem em nome de nosso senhor não passa mesmo de votos - deixa-me
com um sorriso nos lábios: primeiro por se tratar de um representante da
igreja, depois por se tratar de um local público, mas adiante! Chegou. E depois
de chegar, avançou para o balcão discretamente. Pediu um whisky à moda de
Messias, pediu-o de forma discreta (se já repararam, para eu descrever a acção
nestes termos, foi tudo menos discreta) e bebeu-o só de um gole.
Logo depois, cumprimentou-nos e disse:
- Bem, está na hora de ir à vida! Senhor enófilo: dois cafés
aqui para os meus amigos, paga a igreja. Desfrutem, camaradas!
Álvaro Machado – 15:46 – 23-02-2013
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