O pintor realista


A vida deve ser tida como uma graça oriunda não se sabe de onde, e deve ser desfrutada com toda a liberdade. Não há meias liberdades; se alguma norma ou governo pretende retirar-nos a consciência livre e plena de direito, então, retirar-nos-á o prazer de viver.
As crianças desfrutam-na de maneira tão própria e poucos lhe dão por isso. São elas que vislumbram as fantasias ávidas e percepcionam a realidade crua - a sua inocência tem tanto de pouca nitidez na fantasia como de entendimento infalível na realidade.
Mas ser criança não tem a ver com a idade, porque uns são-no toda a vida e outros nunca serão; ser criança é ser sonhador e ao mesmo tempo realista, é pintar o mundo como ele é, pintá-lo com toda a verdade do momento e somente isso.
Algumas pintam, na inocente e precoce idade, as suas casas, as suas famílias, o sol, o mar, a floresta e pintam, enfim, a magia do nosso mundo e a beleza das nossas vidas. Quem pinta sabe o mundo em que vive, quem pinta é realista com a vida. E, depois disso, existem as crianças que sofrem em lugares funestos, em verdadeiros locais de massacre e propícios para uma guerra infindável; que quando pegam num lápis e se manifestam numa folha, manifestam a crueldade da guerra, da humilhação, da dor, da infelicidade de não poder sonhar com o paraíso e muito menos de poder desenhar as coisas boas do mundo, pois desconhecem outra coisa para lá do horror, da morte. Isso é limita-las à liberdade e, mais do que isso, limita-las à vida.
Acordam. Ouvem tiros. Serão os tanques? Serão os aviões? Podem ser soldados, apenas. Saem da cama. Vêem os pais precipitarem-se para a rua, atirarem centenas de pedras leves como vento e caírem, de imediato, no chão. A vida terminou para eles.
E as crianças estão, assim, privadas de sonhar, de viver a simplicidade da liberdade e de respirar o cheiro a maresia...
(Que Deus me perdoe o coração impregnado.)

Álvaro Machado - 18:50 - 02-01-2013

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