Tarde de Comércio
Eu desfruto do tempo ainda antes de ele ter ganhado vida. Os
alicerces passam, assim, a ser o momento, fruto da minha imaginação, ilusório
que anda ao redor de tudo quanto sinto sentir. E depois há a rota do que a
minha vista alcança nos largos dias de onde, subitamente, avisto pequenos
comerciantes desassossegados com o negócio malparado: vejo extensas barracas de
óptima gente vendendo roupa e oiço a voz retocada dos preços, e quando paro
nesse instante logo recomeço, pois não vale coisa nenhuma a não ser continuar a
fuga dali; vejo também barracas lotadas de possíveis compradores, efusivos com
tantas riquezas amealhadas, e não sei se chegam a comprar uma peça de roupa,
pois a viagem não estabelece mais fronteiras de interacção; e no final do
caminho, sobressai-se-me a vista para uma senhora de meia-idade que lhe não
vejo outra coisa senão solidão, e tão pouco compradores se lhe aproximam - penso
tanto nas coisas... o porquê do vento estar forte e afugentar-lhe clientela, e
o porquê dos raios de sol baterem-lhe mesmo na fronte ao ponto de a cegar para
quem vende.
De mesmo modo, e também de antecipadamente escrever isto, já
sinto uma forte atracção por todas estas suposições do meu interior, ainda que
não as tenha vivido e talvez nem as viverei nunca. É do tempo que passa tão
rápido. É do tempo que desfruto anteriormente ao tempo. E é quando chega ele a
ser tempo que eu me sinto triste como a noite, porque, quando for vivido, não
será tão intenso como foi antes de se viver.
Álvaro Machado - 00:34 - 04-01-2012
"E é quando chega ele a ser tempo que eu me sinto triste como a noite, porque, quando for vivido, não será tão intenso como foi antes de se viver." - não poderia estar mais de acordo!
ResponderEliminarBelíssimo.
Um beijinho.