Fumo cismático
Há um homem de comércio, único que eu tenha visto, a fumar
cachimbo por estas andanças. Vou acompanhando, fascinado, a postura que leva a
fumar, apoiado à entrada da loja, enquanto aguarda para vender algum produto.
Mas o comércio, este comércio tradicional, de conhecer bem o dono e simpatizar
com a sua personalidade, está ultrapassado; desde que me conheço que esse
comércio não existe, o que prevalece é abrir a loja de madrugada, com falta de
esperança que o dia acabe com a gaveta ao lado da sorte, passar o dia com as
mãos na cabeça, a sentir o abismo da falência, e fechar junto da noite amarga,
que desmoraliza a entrega vã pelos que passam, olham e não param para comprar
nenhum produto.
Quando o vejo, está abatido. Fuma cismático à porta e o
olhar não cruza com ninguém, que o seu corpo sustenta uma raiva a estas pessoas
todas porque não vêm a este lugar - vão, em todo o caso, aos que menos
precisam, aos donos que nunca viram e por quem nunca cruzaram, aos empregados
formatados que saúdam os seus clientes com modos frios e distanciados, aos
"volte sempre" enganosos que só vêem as notas como o motivo para o
cliente lá regressar…
Álvaro Machado – 19:47 – 08-05-2013
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