O pensamento à volta
Voltar ao local que
tão bem nos acolhe é a sensação que melhor podemos receber depois de tantos
dias permanecer na ausência. Sentia-me incompleto, e seria precipitado dizer-vos
que voltar seria indiferente ao meu pensar. Abro a porta e, com a cortesia que
acompanha um cavalheiro, primeiro Orionte, depois eu: está escolhida a refeição
e o aperto de mão ao enófilo está concretizado; novas famílias, por sua vez,
tomam os lugares, rostos que nunca vi anteriormente...
Tomamos uma conversa
agradável a que poucos têm privilégio de usufruir, onde o espaço é pouco para o
muito que somos, e a cabeça anda às voltas do mundo para achar o ideal de
apoteose, o lugar desconhecido do mundo em que habita o sossego de acordar
junto ao rio e ver a vida passar silenciosamente; até que, naquela mesa, são
construídos sonhos magistrais - nascem de uma harmonia marcada pelo ritmo da
primavera e vão crescendo e crescendo e crescendo, incontroláveis, até que morrem
connosco porque nenhum dos presentes neste almoço os escutou, os imaginou, os sentiu
como nós sentimos naquele momento!
A meio disto, chegam
os habituais camponeses, humildes e atarefados como sempre, deslocando-se
prontamente à nossa mesa dando uma palavra amiga e um cumprimento real e
bondoso, como os há poucos nesta vida - vem marido, vem mulher e vem os dois
filhos, eles, todos eles, com um coração nobre. O Zé perde mais tempo connosco.
Orionte fala-lhe da rapidez do tempo e como já estão velhos.
- Amigo Orionte, não
podemos pensar tanto no ciclo da vida. - dizia o Zé, enquanto descansava a mão
no ombro de Orionte, e continuou - Nunca digas que estás velho e que eu estou
velho, diz, pelo contrário, que estamos os dois em plena juventude; assim viveremos
mesmo nela.
Orionte abanava a
cabeça em tom de discordância e mantinha a mesma posição inconformada do tempo
passar à velocidade da luz. E os camponeses vão almoçar, que o trabalho não
espera por esta classe.
O almoço já está a
dar-se por finalizado. Chega o padre para nos conformar e dá a bênção a todos
os presentes, enquanto que na sua mão direita debruça-se sobre um scotch duplo
dos seus doze anos: vem em direcção à nossa mesa, de mesmo modo que os
camponeses vieram, que ser padre hoje é o mesmo que ser camponês, acercado de
bondade. Achei-lhe imensa graça. Cumprimenta-nos e fala um pouco de qualquer
coisa imprecisa, depois coloca a sua mão sobre a minha e diz que as tenho frias
(nenhuma mentira, diga-se), e, no mesmo instante, com força e falta de jeito, puxa
a minha barba, elogiando-a. (São porventura episódios inacessíveis para se
viver junto de um padre e que não deixam de ser engraçados, de todo.)
Veio o café e já se
passaram duas horas de confraternização... Desaparece o nosso rasto na mesma
ausência que desapareceu os nossos sonhos...
Álvaro Machado - 16:23 - 04-05-2013
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