Vida, Tempo
Surpreendentemente, como não podia ser de outra maneira, a
ida ao restaurante pela noite fria, escura e vazia é um momento único. Lá fora
escombros amontoados do mundo inteligível divagam pelo mundo espiritual o que
da outra vida não puderam ser; o frio afasta os clientes - que, hoje em dia,
serve como desculpa irrefutável para o negócio mal parado - e nós, uma vez
mais, sentados na mesa do costume, jantávamos o prato que não podia nem
existia.
Até ao final da refeição pouco ou nada foi falado. Veio o
café. E, não entendendo bem o porquê de ser no café que se desenlaça sempre a
tragédia, bebemo-lo repreensivos com o mundo de lá de fora: o desajustado
maneta multifacetado, que é ébrio, vai acabando pouco a pouco e repentinamente;
a mulher, vizinha de cima de qualquer outra vizinha, casada trinta vezes
durante trinta anos chora por desposar com ninguém com quintas ou herdades;
dois, marido e mulher, subordinados ao matrimónio fazem o seu quotidiano com
base na aparência ignóbil; as pensionistas aldeãs passeando em passeios
rupestres, indo com quem não lhes interessa, vêm a rotina de outros e de outras
coisas que, não sendo suas, são mais interessantes; a onzenice generalizada do
zé povinho sem fundamento à vida que leva o velho alcoolizado quando se
embebeda logo pela manhã - durante inverno e verão - só porque é de seu agrado
e de felicidade....
A vida, as pessoas, o bem-estar, o mal-estar, a doença, a
saúde, estar ou não estar embriagado, ser ou não ser bem-parecido, estar mais
morto do que vivo, tristezas, alegrias, momentos ou circunstâncias tristes,
momentos de solidão, segundos de divagação, caminhar, sofrer, destroçar e ser
destroçado, coisa qualquer vaga sendo todo o mundo ou coisa cheia de mundo e
não passar de vaga, tudo isso será complicações desta nossa estadia, deste
nosso mundo efémero.
A vida? Vivam-na, aproveitem-na e esqueçam-na no mesmo
momento em que a vivam.
Álvaro Machado - 21:50 - 05-11-2012
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