Sábado - o almoço
A hora passou imprevista, ninguém soube por que motivo.
Levantei o corpo do cobertor e ascendi o olhar ao céu profundo e longínquo da
pequena aldeia; vesti as vestes frias e insensíveis que camuflam o coração e
saí de casa de maneira subtil para almoçar.
Sentamo-nos na mesa habitual e transcendemos as conversas
banais que se fazem nos sofás de espera ou nas mesas de madeira - porque quem
transcende chega aos confins do mundo, à sabedoria do pensamento e a dor dos
que não sentem reciprocamente. Sendo o apetite nulo para a refeição, o apetite
encarregou-se da conversa: a natureza faz milagres a bem entender (de quem,
como tu, se alegra com todas as forças e vive intensamente a verdade); aquela
família de camponeses deixa-nos incompreendidos do que afinal é ser-se feliz
(sabes, eles são felizes assim - naturalmente...) e quando esticam a mão ela
vem cheia de bondade e de proximidade; o enófilo dono continua a largar
sorrisos meios verdadeiros, meios falsos, dependendo da clientela (e para nós é
sincero e bom demais, não corroboras?); e depois chega-se o padre meio
embriagado do whisky que desfrutou levemente a pensar que vai ter de confessar
dezenas de infiéis (a igreja, como falámos, não possibilita a progressão dos
não-crentes).
Termina-se o almoço com um café amargo e insosso.
Levantamo-nos da mesa e eu disse para mim:
- Adeus ó enófilo! Tem boas entradas e tem uma boa caçada
amanhã!
E o que disse não passou de mim, não chegou ao balcão; virei
costas, e desapareci nas nuvens.
Álvaro Machado - 15:41 - 29-12-2012
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