"El Diego"
“A mim, jogar à bola dava-me…
uma paz única.”
Começo, claro está,
com a minha opinião. E começo por apresenta-lo, sem rodeios, como o Deus do futebol:
Diego Armando Maradona. Então, de uma repentina e incompreensível vontade de
escrever sobre o génio, decidi aventurar-me e provar – a muitos – que o futebol
pode ser equiparado a qualquer outro tipo de arte, porque, creio eu, um pintor
que nasça dotado para criar de maneira singular uma obra de arte como o quadro “O
Grito”, de Munch, ou um músico que nasça com o génio para criar uma obra de
arte como o “Requiem”, de Mozart, tem a semelhança de um jogador com o seu
talento natural partir à conquista do mundo. Há jogadores que nos marcaram,
provaram que nada é impossível.
Tudo começa em
Fiorito, no bairro de Fiorito. Muito novos, Diego e o seu primo Beto jogavam
futebol fizesse chuva fizesse sol, o intenso sol que não os impedia de jogar às
duas horas, logo quando se lhes esbatia mesmo no rosto. Paixão, engenho e muita
força de vontade. E prolongava-se até à noite, mesmo às escuras a vontade não
se extinguia. Ele ansiava conquistar o mundo, sabia que tinha qualidade para
isso, ele sabia-o como ninguém.
Começa a aventura. Um
trajecto desde do “verde”, o autocarro 28 de saída de Fiorito, até apanhar o 44
em Pompeya com destino a Las Malvinhas, à equipa dos Argentinos Juniors. Ficara
assim o primeiro teste de Maradona gravado: “Fiz túneis, passes de calcanhar,
chapéus, vários golos, não me lembro exactamente de quantos. Mas lembro-me que
Francis disse a Goyo (amigo de Maradona) que voltasse, que me queria ver outra
vez. Não acreditava é que eu tivesse nove anos.”. Talvez porque o que fazia com
os pés não tinha essa idade, portanto. Com esta equipa, conquistava 136 vitórias
seguidas. A metamorfose estava agora a iniciar-se. Em breve, o mundo iria
abrir-lhe os braços e recebe-lo efusivamente. A par desta ascensão precoce, a
vida dos seus pais económico-financeira não era a melhor: para além de viver
num bairro e numa casa que não tinha condições, “chovia mais lá dentro do que
cá fora”, como dizia Maradona, eles não conseguiam pagar as viagens de ida do
filho para os treinos. Quem pagava as viagens – viagens só de ida – seriam então
as suas duas irmãs, que roubavam aos maridos para lhe dar. Pobreza, muita
pobreza… Depois do campeonato nacional – e dos seus primeiros dois golos da
carreira – Maradona aparecia em todo o lado: televisão, revistas, entrevistas. Uns
meses atrás, o treinador do Racing, Palomino, chegou ao pé do treinador dos
Argentinos Juniors e disse-lhe: “Como é possível teres esse puto no banco?
Trata bem dele que vai ser um génio”, rematou, prevendo o destino.
("Naquele tempo ganhávamos a todos os adversários. E a mim, tiravam-me fotografias." - Maradona.)
Após esta introdução,
baseada na sua autobiografia, que, penso eu, explica bem os primeiros passos do
jovem talentoso, começa agora outra caminhada, a caminhada da selecção argentina,
dos mundiais e dos troféus. Maradona, júnior nessa época, estreia-se pela
selecção A contra os grandes nomes e defronta a equipaça da Holanda, que haviam
vencido nos penáltis e um dos protagonistas foi justamente ele. “Éramos putos
sim, mas sentíamo-nos importantes. Tão importantes que me declararam
intransferível.”, comentava Diego. E que esta rápida ascensão o colocara já
como a cara da Coca-Cola, da Agfa, marcam que há dois anos atrás ele nem
conhecia. Japão de 79. O grito de revolta chegava. Era a chance para provar que
merecia ter ido ao Mundial de 78. Esta selecção, considera Maradona, “foi de
longe a melhor equipa de que fiz parte em toda a minha carreira. Nunca me
diverti tanto dentro de campo!” e tão claro era isso aos olhos dos argentinos
que passaram a fase de grupos sem problema, tudo ao primeiro toque. Rapidamente
chegaram à final, depois de uma vitória sobre o Uruguai na meia-final em que
Maradona marcou o segundo golo e festejou que nem um louco! Estavam na final!
Os nervos à flor da pele não o largaram horas antes do jogo contra a Rússia.
Chegou a hora de ver o génio e o génio marcou um golo de livre: tornaram-se
campeões do mundo, justiça feita! E a recompensa seria feita quando o seu
treinador, Flaco Menotti, lhe disse: “Diego, foi eleito o melhor jogador do
campeonato. Vão entregar-lhe a Bola de Ouro.”…
Depois de um
campeonato nacional complicado no Boca, em 1982 uma nova fase surge na vida de
Diego: um desgaste muito grande no Mundial de Espanha e, depois disso, transfere-se
para o Barcelona – período esse “obscuro, difícil” como dissera. As coisas não
estavam a sair bem, tinha uma má relação com o presidente e via muito pouca
habilidade técnica nos colegas de equipa, só correrias e fúria e não mais que
isso; tempos depois, sucedia Flaco Menotti no comando técnico e a equipa
conseguiu recuperar alguma chama que havia perdido. Destes tempos, recorda
Maradona o seu golaço ao Real Madrid, em pleno Bernabeu: “iniciámos um
contra-ataque a partir do meio campo, corri com a bola, o guarda-redes saiu,
fintei-o e continuei em direcção à baliza. Vi que por trás vinha Juan José um
defesa baixinho, com barba, loiro e com o cabelo muito comprimido. Fiz de conta
que ia meter-me pela baliza dentro, quase sobre a linha. Ele passou e eu toquei
a bola devagarinho para a baliza…”. Mas muito coisa se passou em Barcelona.
Tragédia atrás de tragédia. O Diego ficou com hepatite, partiram-lhe a perna
num jogo (pois como ele disse e bem: “Os espanhóis matam.”), meteu-se na noite
e na cocaína. Tudo em Barcelona… Até que chegou ao ponto de pedir para se
transferir e chegou ao Nápoles.
“Quando cheguei ao Nápoles estava sem um tostão…
E com dívidas.”
‘El Diego’ chegou a
Itália. Chegou ao Nápoles, muito pouco sabia do clube quando assinou, mas no
dia da apresentação 80.000 pessoas estavam no San Paolo para o ver. “Buona sera,
napolitani. Sono molto felice di essere com voi”, estas foram as primeiras
palavras do grande herói do Nápoles nos próximos tempos. E que herói! Mais
tarde, então depois da tinta do contrato estar seca, é que Diego dá de caras
com a realidade: “nas últimas três temporadas, a equipa esteve a lutar contra a
descida de divisão e no último campeonato, 83-84, safou-se… por um ponto!”. Depois
de uma peça primeira volta só com nove pontos conquistados, a equipa renasce e
fica somente a dois pontos de se qualificar para a Taça Uefa. Maradona faz 14
golos, 3º melhor marcador do campeonato, fica 4 golos atrás de Platini. E
depois disso, ganha coragem para interpelar o presidente do clube para vender
os jogadores que os adeptos assobiam e, ao mesmo tempo, a trazer novos
jogadores. Sugeriu-lhe alguns. A equipa foi-se construindo e ficando cada vez
mais forte.
Na segunda época, o
Nápoles termina o campeonato em 3º lugar e apura-se para a Taça Uefa. Um
brilhareto! E construindo-o de cima para baixo, com mais uns novos rostos na
equipa, o clube vence o scudetto. Ninguém acreditava que fosse possível. Eles
venceram. Ele venceu. A cidade inteira festava pelas ruas, pelos cafés, por
todo lado… E venciam pouco tempo depois a Taça de Itália: a dobradinha! Diego,
antes do jogo, disse à imprensa a propósito da conquista do título: “Nós, a
gente do sul, não desaproveitamos as oportunidades. Nem no futebol… nem na
vida.”. E assim foi, venceram ao Atalanta.
A 19 de Abril de 1989,
meia-final, Bayern Munique contra Nápoles. Empatam. O Nápoles está na final da
Taça Uefa, vence-a ao Estugarda. E Maradona consegue assim elevar este clube ao
ponto de conquistar o campeonato, a taça e agora uma taça internacional. O
improvável que se conseguiu.
Poderia escrever muito
mais sobre Maradona. E por muito mais que escrevesse seria pouco e ficaria
sempre à margem do talento, do génio criativo que ele é. Portanto, escolhi para
finalizar este meu texto o auge da sua carreira: o mundial de 86.
Diego Armando Maradona
é convocado para a selecção argentina e toma a braçadeira de capitão. Deus está
presente neste mundial. Contra a Inglaterra, todos dever-se-ão recordar do
mítico golo que é, Maradona serrou o punho e marcou golo. Os protestos e a
contestação de nada valeram. “A Mão de Deus” ditou o destino – destino esse
que, poucos minutos depois, levou-o a marcar talvez o melhor golo de sempre num
campeonato do mundo, de levantar o estádio, inacreditável, genial, uma
obra-prima! O golo do século!
Continuou a cavalgada.
Nas meias-finais, ainda antes do jogo, o guarda-redes belga afirma que “Maradona
não é nada de especial.”. O desfecho do jogo são dois golaços de ‘El Pibe’ e a
Argentina está na final.
Uma final alucinante,
digna de ser a final do mundial, entre a Argentina e a Alemanha. Depois de
estarem a vencer por 2-0, os argentinos permitem que a Alemanha empate o jogo e
ele só é resolvido aquando um passe de Maradona que assiste para o golo da
vitória Burruchaga.
Por entre muitos
relatos e muitas opiniões, estamos perante um verdadeiro Deus do futebol que o
mundo teve o prazer de poder ver. Cabe-nos, agora, poder recordar este génio
que prova que também se tem arte com uma bola nos pés, que sozinhos podemos
conquistar o mundo e, acima de tudo, provar que nada é impossível. Mesmo no
futebol.
Termino então com as
palavras de Maradona para aquelas pessoas que criticam o futebol e os
jogadores:
“Em Outubro de 1987, internei-me pela primeira vez na clínica do doutor Henri Chenot, em Merano, na Suíça. Nunca tinha descansado desde a minha chegada a Itália, tinha no corpo quase duzentos jogos, entre o campeonato, as taças, os amigáveis e a Selecção. Doíam-me tanto os adutores que mesmo o doutor Oliva, que sempre foi um mago comigo, só encontrava como solução o descanso. Eram dores que me faziam vir as lágrimas aos olhos. Mas eu jogava, jogava, jogava, sempre infiltrado. Por isso, quando dizem que os jogadores de futebol ganham demasiado, que somos preguiçosos, terão alguma ideia do que significa uma agulha de dez centímetros cravada perto da virilha, num tornozelo, no joelho, na cintura?! Não, certamente que não”.
“Em Outubro de 1987, internei-me pela primeira vez na clínica do doutor Henri Chenot, em Merano, na Suíça. Nunca tinha descansado desde a minha chegada a Itália, tinha no corpo quase duzentos jogos, entre o campeonato, as taças, os amigáveis e a Selecção. Doíam-me tanto os adutores que mesmo o doutor Oliva, que sempre foi um mago comigo, só encontrava como solução o descanso. Eram dores que me faziam vir as lágrimas aos olhos. Mas eu jogava, jogava, jogava, sempre infiltrado. Por isso, quando dizem que os jogadores de futebol ganham demasiado, que somos preguiçosos, terão alguma ideia do que significa uma agulha de dez centímetros cravada perto da virilha, num tornozelo, no joelho, na cintura?! Não, certamente que não”.
Fim…
Álvaro Machado – 18:32 – 13-02-2014
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